A diabolização do outro
Quando acompanhamos o texto do Evangelho de Mateus discorrendo sobre a condenação de Jesus, falta-nos o fôlego. É muita injustiça e maldade. O texto é forte: "Os chefes dos sacerdotes e todo o Sinédrio estavam procurando um depoimento falso contra Jesus para que pudessem condená-lo à morte" (Mt 26.59). Alguns versículos adiante, a conclusão dos acusadores é sumária e cruel: "‘O que acham?’ ‘É réu de morte’, responderam eles" (Mt 26.66). Como se diz na linguagem popular, é brincadeira?!
Não é difícil de captar o vetor orientador do julgamento de Jesus aqui. Qualquer que fossem suas palavras, sua prova de inocência, ele já era culpado para os seus acusadores. Esse padrão de perversidade do mal é marcado pela recusa de avaliação dos fatos e da verdade. É tecnicamente uma postura anticientífica! Não me interessam os fatos; eu já sei! A verdade cede espaço para a conveniência. Vale a pena observar a resposta dos fariseus dada a Jesus quando falavam sobre o ministério de João Batista em Mateus 21. Eles pensavam apenas em serem bem aceitos pelo povo. E responderam descaradamente: "Não sabemos" (Mt 21.27).
A grande pergunta que precisa ser levantada diante de tudo isso é por que os líderes religiosos, tão sábios e instruídos, fizeram isso. O que lhes cegou tanto? Como puderam perder o bom senso? A resposta é simples: foi o amor ao pecado e o desejo de escondê-lo. Jesus deixa isso claro em Mateus 23.13-15, quando os chama de hipócritas! A verdade é que o pecado e o desejo de escondê-lo produz uma loucura e uma cegueira na alma. Essa cegueira produz ódio e o desejo de destruição. O mecanismo psicológico, que brota da autodefesa, leva à "diabolização do outro". O próprio Jesus foi equiparado a Belzebu pelos fariseus da época (Mt 12.24). Historicamente, isso tem produzido milhares e milhares de mortes e muita desgraça.
JOGO MANIQUEÍSTA
Transportados para um cenário mais amplo, o cenário da história, vamos encontrar muitos processos de "diabolização do outro", geralmente motivados pelo pecado e pelo sentimento de culpa não trabalhado pela graça divina. Como isso tem produzido sofrimento e dor! Há uma espécie de jogo maniqueísta entre "bem-mal". Muitas dessas polarizações maniqueístas foram bem conhecidas na história. Os judeus sofreram bastante com esse processo. Principalmente no ambiente católico medieval, nos pogroms da Rússia, na época da Inquisição e na Alemanha nazista, eles eram considerados culpados dos problemas da sociedade, e muitas vezes foram castigados e perseguidos injustamente. Os fatos não interessavam. Eles foram diabolizados! Os protestantes também foram diabolizados pelo catolicismo do século 16. A noite de São Bartolomeu ficou na história. Os protestantes devolveram na mesma moeda! Assim que o pensamento racionalista e humanista tomou conta do cenário europeu, foi a vez da cristandade ser diabolizada. Nietzsche deve estar se remexendo no caixão! Todos os problemas da sociedade ocidental têm origem na "ignorância" e no "absurdo conceito de culpa e de pecado" do cristianismo! Hoje, muitos cidadãos secularizados olham com desprezo para os "tolos e ignorantes" religiosos.
Os capitalistas norte-americanos diabolizaram todos os socialistas. Eram vistos como comunistas ateus, filhos de Stálin e Mao-Tsé-Tung.
A "barba" ainda é malvista entre muitos evangélicos, por ser considerada sinal de "apoio ao regime de Fidel Castro". Já os esquerdistas latino-americanos "sabem" que a culpa dos problemas do mundo é dos Estados Unidos! Todos os americanos são imperialistas, perversos e merecem a morte! Muitos teólogos da libertação diabolizam os EUA e divinizam ditadores esquerdistas cruéis!
INTOLERÂNCIA ENRAIZADA
Nos tempos da Igreja Primitiva, principalmente sob a inspiração de Tertuliano, as mulheres foram bastante diabolizadas. A mulher é o diabo! Essa era a sugestão de muitos cristãos platônicos que transferiam seus pecados e tentações para o elemento feminino. Muitas "bruxas" morreram com base nesse "temor masculino perturbado". Em nossos dias, a coisa mudou! Agora o homem é o diabo! A mulher é "mais sensível e menos corrupta", afirmam muitas feministas. Os homens são agressores e violentos e, apesar de milhões de abortos e de crimes praticados por mulheres, o mito prossegue.
Talvez um dos maiores disseminadores desse processo de diabolização das últimas décadas foi o cinema americano. Quase sempre passou-se a idéia "de modo divertido" que os "alemães são frios e racistas", "os russos são maus e perigosos", "os italianos são bandidos e mafiosos", "os chineses e japoneses são frios e maus", "os latino-americanos são preguiçosos e corruptos", "os africanos são selvagens e ignorantes". O pressuposto é que o único "povo normal" é o norte-americano. A intolerância fica enraizada na mente do povo comum. É lamentável!
Essa tendência problemática é assustadora porque justifica a maldade em nome de Deus. O cenário de hoje começa a ficar muito perigoso por causa do crescimento dessa tendência. A direita norte-americana já definiu "o eixo do mal" a ser combatido.
Os radicais islâmicos convocam todos os muçulmanos para a batalha contra os "infiéis". O mundo árabe é diabolizado pela maioria dos cristãos ocidentais. Os israelitas são diabolizados pelos árabes e pelos anti-semitas de plantão. Para onde iremos se prosseguirmos por esse caminho perverso? Não podemos cair na armadilha desse maniqueísmo escravo de interesses econômicos e políticos. A igreja não pode jamais justificar a violência em nome de Deus. Nem com supostas profecias! A nossa luta não é de natureza física.
O único caminho para resolver tal situação é o humilde arrependimento. É a busca sincera dos próprios erros e falhas. Se isso não acontece no íntimo do nosso ser, nós nos tornaremos vítimas de um processo psicológico perverso que já não raciocina mais, que não quer saber a verdade e que não conhece mais a palavra "ponderação". Infelizmente, tais polarizações maniqueístas marcam o mundo evangélico. Calvinistas e arminianos, pentecostais e tradicionais, "conservadores e abertos", modernos e antigos, são algumas dicotomias perigosas que nos têm levado a pecar. Muitos cristãos já diabolizaram seus próprios irmãos de fé! Até uma versão bíblica chega a ser diabolizada!
Está na hora de dar uma parada, meditar um pouco, vasculhar o interior, buscar a humildade e procurar os próprios erros, pois a grande verdade é que quando diabolizamos o outro sem qualquer convicção de nossos erros e limitações, nós o fazemos, apenas, para esconder o nosso próprio pecado!
Não é difícil de captar o vetor orientador do julgamento de Jesus aqui. Qualquer que fossem suas palavras, sua prova de inocência, ele já era culpado para os seus acusadores. Esse padrão de perversidade do mal é marcado pela recusa de avaliação dos fatos e da verdade. É tecnicamente uma postura anticientífica! Não me interessam os fatos; eu já sei! A verdade cede espaço para a conveniência. Vale a pena observar a resposta dos fariseus dada a Jesus quando falavam sobre o ministério de João Batista em Mateus 21. Eles pensavam apenas em serem bem aceitos pelo povo. E responderam descaradamente: "Não sabemos" (Mt 21.27).
A grande pergunta que precisa ser levantada diante de tudo isso é por que os líderes religiosos, tão sábios e instruídos, fizeram isso. O que lhes cegou tanto? Como puderam perder o bom senso? A resposta é simples: foi o amor ao pecado e o desejo de escondê-lo. Jesus deixa isso claro em Mateus 23.13-15, quando os chama de hipócritas! A verdade é que o pecado e o desejo de escondê-lo produz uma loucura e uma cegueira na alma. Essa cegueira produz ódio e o desejo de destruição. O mecanismo psicológico, que brota da autodefesa, leva à "diabolização do outro". O próprio Jesus foi equiparado a Belzebu pelos fariseus da época (Mt 12.24). Historicamente, isso tem produzido milhares e milhares de mortes e muita desgraça.
JOGO MANIQUEÍSTA
Transportados para um cenário mais amplo, o cenário da história, vamos encontrar muitos processos de "diabolização do outro", geralmente motivados pelo pecado e pelo sentimento de culpa não trabalhado pela graça divina. Como isso tem produzido sofrimento e dor! Há uma espécie de jogo maniqueísta entre "bem-mal". Muitas dessas polarizações maniqueístas foram bem conhecidas na história. Os judeus sofreram bastante com esse processo. Principalmente no ambiente católico medieval, nos pogroms da Rússia, na época da Inquisição e na Alemanha nazista, eles eram considerados culpados dos problemas da sociedade, e muitas vezes foram castigados e perseguidos injustamente. Os fatos não interessavam. Eles foram diabolizados! Os protestantes também foram diabolizados pelo catolicismo do século 16. A noite de São Bartolomeu ficou na história. Os protestantes devolveram na mesma moeda! Assim que o pensamento racionalista e humanista tomou conta do cenário europeu, foi a vez da cristandade ser diabolizada. Nietzsche deve estar se remexendo no caixão! Todos os problemas da sociedade ocidental têm origem na "ignorância" e no "absurdo conceito de culpa e de pecado" do cristianismo! Hoje, muitos cidadãos secularizados olham com desprezo para os "tolos e ignorantes" religiosos.
Os capitalistas norte-americanos diabolizaram todos os socialistas. Eram vistos como comunistas ateus, filhos de Stálin e Mao-Tsé-Tung.
A "barba" ainda é malvista entre muitos evangélicos, por ser considerada sinal de "apoio ao regime de Fidel Castro". Já os esquerdistas latino-americanos "sabem" que a culpa dos problemas do mundo é dos Estados Unidos! Todos os americanos são imperialistas, perversos e merecem a morte! Muitos teólogos da libertação diabolizam os EUA e divinizam ditadores esquerdistas cruéis!
INTOLERÂNCIA ENRAIZADA
Nos tempos da Igreja Primitiva, principalmente sob a inspiração de Tertuliano, as mulheres foram bastante diabolizadas. A mulher é o diabo! Essa era a sugestão de muitos cristãos platônicos que transferiam seus pecados e tentações para o elemento feminino. Muitas "bruxas" morreram com base nesse "temor masculino perturbado". Em nossos dias, a coisa mudou! Agora o homem é o diabo! A mulher é "mais sensível e menos corrupta", afirmam muitas feministas. Os homens são agressores e violentos e, apesar de milhões de abortos e de crimes praticados por mulheres, o mito prossegue.
Talvez um dos maiores disseminadores desse processo de diabolização das últimas décadas foi o cinema americano. Quase sempre passou-se a idéia "de modo divertido" que os "alemães são frios e racistas", "os russos são maus e perigosos", "os italianos são bandidos e mafiosos", "os chineses e japoneses são frios e maus", "os latino-americanos são preguiçosos e corruptos", "os africanos são selvagens e ignorantes". O pressuposto é que o único "povo normal" é o norte-americano. A intolerância fica enraizada na mente do povo comum. É lamentável!
Essa tendência problemática é assustadora porque justifica a maldade em nome de Deus. O cenário de hoje começa a ficar muito perigoso por causa do crescimento dessa tendência. A direita norte-americana já definiu "o eixo do mal" a ser combatido.
Os radicais islâmicos convocam todos os muçulmanos para a batalha contra os "infiéis". O mundo árabe é diabolizado pela maioria dos cristãos ocidentais. Os israelitas são diabolizados pelos árabes e pelos anti-semitas de plantão. Para onde iremos se prosseguirmos por esse caminho perverso? Não podemos cair na armadilha desse maniqueísmo escravo de interesses econômicos e políticos. A igreja não pode jamais justificar a violência em nome de Deus. Nem com supostas profecias! A nossa luta não é de natureza física.
O único caminho para resolver tal situação é o humilde arrependimento. É a busca sincera dos próprios erros e falhas. Se isso não acontece no íntimo do nosso ser, nós nos tornaremos vítimas de um processo psicológico perverso que já não raciocina mais, que não quer saber a verdade e que não conhece mais a palavra "ponderação". Infelizmente, tais polarizações maniqueístas marcam o mundo evangélico. Calvinistas e arminianos, pentecostais e tradicionais, "conservadores e abertos", modernos e antigos, são algumas dicotomias perigosas que nos têm levado a pecar. Muitos cristãos já diabolizaram seus próprios irmãos de fé! Até uma versão bíblica chega a ser diabolizada!
Está na hora de dar uma parada, meditar um pouco, vasculhar o interior, buscar a humildade e procurar os próprios erros, pois a grande verdade é que quando diabolizamos o outro sem qualquer convicção de nossos erros e limitações, nós o fazemos, apenas, para esconder o nosso próprio pecado!
Fonte: Liderança
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