Joel R. Beeke
Presumimos muito facilmente que
os grandes teólogos chegaram a amar as doutrinas da graça sem qualquer esforço.
Isto não foi, de modo algum, o que aconteceu com todos eles. Talvez não
aconteceu com nenhum deles. Pelo menos, isso não foi o que aconteceu com
Jonathan Edwards, o eminente pregador da Nova Inglaterra no século XVIII. O
seguinte relato mostra como Edwards chegou a amar a soberania de Deus somente
depois de relutância inicial.
Jonathan Edwards fez a seguinte confissão:
Desde a minha infância, a minha mente estava cheia
de objeções contra a doutrina da soberania de Deus em escolher quem ele
quisesse para a vida eterna e rejeitar a quem ele quisesse, deixando-os
perecer eternamente e ser atormentados para sempre no inferno. Isso costumava
parecer uma doutrina horrível para mim. Todavia, lembro-me muito bem do tempo
em que eu parecia estar convencido e plenamente satisfeito quanto a esta
soberania de Deus e sua justiça em dispor os homens eternamente assim, de
acordo com seu prazer soberano. Mas nunca pude dar uma explicação de como ou
por que meios fui convencido disso, nem sequer imaginar na época, nem mesmo
muito depois, que houve uma influência extraordinária do Espírito de Deus neste
convencimento; sei apenas que cheguei a ver melhor, e minha razão assimilou a
justiça e a racionabilidade disso. Entretanto, a minha mente descansou nisso e
pôs um fim a todos aqueles sofismas e objeções. E houve uma mudança maravilhosa
em minha mente no que diz respeito à doutrina da soberania de Deus, desde
aquele dia até agora; por isso, eu dificilmente tenho levantado objeção, no
sentido pleno, contra a soberania de Deus em mostrar misericórdia para quem ele
quer e endurecer a quem ele quer. A absoluta soberania e justiça de Deus no que
diz respeito à salvação e à condenação é aquilo de que minha mente parece
descansar segura, muito mais do que qualquer coisa que eu vejo com os olhos. É
assim, pelo menos, às vezes. Desde então, eu tenho não somente uma convicção,
mas uma convicção prazerosa. Muitas vezes,
esta doutrina tem-se mostrado excedentemente agradável, esplendorosa e doce.
Soberania absoluta é o que eu gosto de atribuir a Deus. Mas a minha primeira
convicção não era assim.1
Por graça soberana, conforme suas próprias
palavras, Jonathan Edwards foi transformado de um "opositor" em um
"apreciador" da soberania eterna de Deus. Depois de anos de luta
intensa quanto ao estado de sua alma diante de Deus (em 1725, Edwards ainda
estava incerto de sua conversão),2 a soberania de Deus se tornou para o pregador de
Northampton, graduado em Yale, uma "doutrina agradável e gloriosa" a
ser conhecida, experimentada e apreciada.3 De fato, a convicção pessoal da soberania de Deus como
uma doutrina irrefutável e como um "senso"4 a ser experimentado por meio de "um ardor em meu
coração", "um fervor em minha alma" e uma "doçura
extraordinária"5 permaneceu
com Edwards durante toda a sua vida.6
A primeira instância de aquiescência genuína à
soberania de Deus, acompanhada de "um agradável deleite íntimo em
Deus", aconteceu a Edwards enquanto ele lia 1 Timóteo 1.17: "Assim,
ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos
séculos. Amém!"
Enquanto eu lia estas palavras, veio à minha alma,
como algo que se propagou nela, um senso da glória do Ser divino; um novo
senso, muito diferente de qualquer coisa que experimentei antes... Pensei
comigo mesmo quão excelente Ser ele era e quão feliz eu deveria ser, se pudesse
gozar este Deus e ser arrebatado para ele, no céu, e ser como que absorvido
nele para sempre!7
Apesar dos impedimentos momentâneos, parece que
este "novo senso" de Edwards de deleitar-se e ter prazer nas
perfeições soberanas de Deus proliferou durante toda a sua vida, sempre
conectado com uma apreensão crescente de indignidade e de fraqueza pessoal. Sob
a orientação do Espírito, Edwards descobriu uma correlação entre a exaltação de
Deus e a humilhação do "eu", a combinação que produziu exercícios
religiosos incomparáveis. Certa vez, em 1737, quando Edwards cavalgou até à
floresta para meditar, ele foi tomado por uma revelação tão profunda e
espiritual de Cristo em sua excelência e soberania transcendente, em contraste
com a excessiva pecaminosidade pessoal dele, Edwards, que foi inundado por um
dilúvio de lágrimas de alegria, por mais de uma hora. De novo, em 1739, ele foi
tomado por uma incrível compreensão de quão "agradável" e
"apropriado" era que Deus governasse o mundo, ordenando todas as
coisas de acordo com seu prazer, ainda que isso significasse destruição eterna
para ele próprio, Edwards.
No verdadeiro padrão calvinista, Edwards
experimentou um sempre crescente aumento de conhecimento nas profundezas de
Deus e, ao mesmo tempo, de si mesmo - de Deus, para sua exultação; de si mesmo,
para humilhação pessoal.8 Nestes momentos, Edwards desejava
que ele "fosse nada e Deus fosse tudo";9 que ele fosse como uma pequena flor "baixa e
humilde no chão, abrindo suas pétalas para receber os agradáveis raios da
glória do sol".10 Ele
também falou sobre andar sozinho nos pastos de seu pai, contemplando com um
senso de prazer "a gloriosa majestade e graça de Deus... que eu parecia
ver... em doce conjunção; majestade e submissão unidas, lado a lado".11
Este gozo conjugado que Edwards achava em Cristo e
desfrutava com um profundo senso de indignidade serviu para levá-lo, cada vez
mais, a partir da soberania divina, a meditar na beleza e na glória de Deus.
Para Edwards, soberania sugeria glória, e glória sugeria beleza. De fato, todo
o ser e os atributos de Deus equivaliam a um todo unido na essência Trina. O
gozo e o alvo supremo de Edwards era ser levado, experimental e continuamente,
da soberania divina à glória divina, a fim de gozar o próprio Deus como o Deus
de graça evangélica indizível:
Os deleites e gozos mais prazerosos que tenho
experimentado não são aqueles que surgiram de uma esperança de meu bom estado,
e sim aqueles que procederam de uma visão imediata das coisas gloriosas de Deus
e seu evangelho. Quando desfruto deste prazer, ele parece levar-me acima dos
pensamentos de meu estado seguro. Em tais ocasiões, retirar meus olhos do
glorioso e agradável objeto que estou contemplando, para volver meus olhos para
mim mesmo e para meu próprio bom estado, parece uma perda que não posso
suportar.12
Em resumo, para Edwards, a natureza de Deus "é
infinitamente excelente; sim, é beleza infinita, brilhante e a própria
glória".13 A partir da graça pessoal, Edwards
foi levado experimentalmente à glória divina, repetidas vezes. Foi este
experimentar espiritual dos atributos de Deus que influenciou Edwards a colocar
a soberania divina desde a eternidade como o principal princípio estrutural de
sua teologia. Edwards não traiu sua herança calvinista nesta conjuntura, como
Nagy sugere quando afirma que é "muito incomum um calvinista" ser levado
da soberania de Deus para a sua beleza infinita.14Antes, o contrário
pode ser afirmado, ou seja, todo verdadeiro calvinista que experimenta,
biblicamente, uma medida da soberania divina só pode terminar na glória e
beleza de Deus, à maneira de Edwards, sim, de Paulo: "Porque dele, e por
meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente.
Amém" (Rm 11.36).
Que o Deus de graça nos tome, igualmente, por mão e
coração, e nos apresente, experimentalmente, à soberania divina e à glória
divina.
1 - Works, I, xii-xiii (edição da Banner of Truth Trust).
2 - Cf. A. Allen, Jonathan
Edwards (Boston:
Houghton, Mifflin and Co., 1889), p. 36. Embora Allen fale de maneira
definitiva, há muita dúvida ao redor desta afirmação; por exemplo, cf. Glenn
Miller, "The Rise of Evangelical Calvinism: A Study in Jonathan Edwards
and the Puritan Tradition" (Th.D. dissertation, Union Theological Seminary,
1971), p. 208, onde a conciliação de Edwards com a soberania e a segurança
pessoal é colocada em 1720-21.
3 - Works, I, xiii.
4 - Ibid.
5 - Ibid., p. xiv.
6 - Cf. Harold Simonson, Jonathan
Edwards: Theologian of the Heart (Grand Rapids: Eerdmans, 1974), p. 17, ss.
7 - Works, I, xiii.
8 - Allen resume habilmente a consequência de humilhação que seguia a
exaltação divina da soberania na experiência de Edwards: "[Edwards]
aprendera a deleitar-se na soberania de Deus, no mostrar Deus misericórdia para
quem ele quer mostrar misericórdia. Era um prazer pedir a Deus esta
misericórdia soberana. Mas estes enlevos religiosos foram também acompanhados
de visões impactantes de sua própria pecaminosidade e vileza. O senso de sua
impiedade e da maldade de seu coração era mais forte depois da sua conversão do
que antes. Sua impiedade parecia exceder a de todos os outros. Nenhuma
linguagem era suficientemente forte para os propósitos de autocondenação. O seu
coração lhe parecia um abismo infinitamente mais profundo do que o
inferno" (Edwards, p. 130-31).
9 - Works, I, xiv.
10 - Ibid.
11 - Ibid., xv.
12 - Ibid. Nessas ocasiões, Edwards via a glória de Deus em
tudo: "Parecia haver, por assim dizer, uma tranquila e agradável marca ou
aparência da glória de Deus em quase tudo... no sol, na lua, nas estrelas; nas
nuvens, no céu azul; na grama, nas flores, nas árvores... Frequentemente, eu
costumava sentar-me... para contemplar a glória de Deus nestas coisas, cantando
com voz baixa, nesse ínterim, minhas contemplações do Criador e Redentor".
13 - Ramsey, Freedom of the Will, p. 243.
14 - Paul and Joseph Nagy: 'A The Doctrine of Experience in the
Philosophy of Jonathan Edwards' (Ph.D. dissertation, Fordham University, 1968),
p. 67.
Joel Beeke é
pastor da igreja Heritage Reformed Congregation, em Grand Rapids, MI, EUA. É
presidente, Deão acadêmico e catedrático de Teologia Sistemática e Homilética
do Seminário Reformado Puritano. Possui Ph.D pelo seminário Westminster em
Teologia Reformada e Pós-reforma. Pr. Beeke atua como preletor em diversas
conferências em várias partes do mundo, inclusive o Brasil; é autor e co-autor
de mais de 50 livros, alguns já em português, como o livro "Vencendo o
Mundo" (Editora Fiel) e outros em processo de tradução. É casado com Mary
Beeke com quem tem 3 filhos
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terça-feira, 17 de julho de 2012
Como Jonathan Edwards Chegou a Amar a Soberania de Deus
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