O mundo editorial vê poucos livros atingirem o status de "sucesso". No
entanto, o livro A Cabana, escrito por William Paul Yong, superou esse
status. O livro, publicado originalmente pelo próprio autor e dois amigos, já
vendeu mais de dez milhões de cópias e já foi traduzido para mais de trinta
idiomas. É, agora, um dos livros mais vendidos de todos os tempos, e seus
leitores estão entusiasmados.
De acordo com Young, o livro foi escrito originalmente para seus próprios
filhos. Em essência, ele pode ser descrito como uma teodicéia em forma de
narrativa – uma tentativa de responder à questão do mal e do caráter de Deus por
meio de uma história. Nessa história, o personagem principal está entristecido
por causa do rapto e do assassinato brutal de sua filha de sete anos, quando
recebe aquilo que se torna uma intimação de Deus para encontrá-lo na mesma
cabana em que a menina foi morta.
Na cabana, "Mack" se encontra com a Trindade divina, onde Deus, o Pai, é
representado como "Papai", uma mulher afro-americana, e Jesus, por um
carpinteiro judeu, e "Sarayu", uma mulher asiática, é identificada como o
Espírito Santo. O livro é, principalmente, uma série de diálogos entre Mack,
Papai, Jesus e Sarayu. As conversas revelam que Deus é bem diferente do Deus da
Bíblia. "Papai" é absolutamente alguém que não faz julgamentos e parece
determinado a afirmar que toda a humanidade já está redimida.
A teologia de A Cabana não é incidental à história. De fato, em
muitos pontos a narrativa serve, principalmente, como uma estrutura para os
diálogos. E estes revelam uma teologia que, no melhor, é não-convencional e, sem
dúvida, herética em certos aspectos.
Embora o artifício literário de uma "trindade" não-convencional de pessoas
divinas seja, em si mesmo, antibíblico e perigoso, as explicações teológicas são
piores. "Papai" conta a Mack sobre o tempo em que as três pessoas da Trindade
manifestaram-se da seguinte forma: "nós falamos com a humanidade através da
existência humana como Filho de Deus". Em nenhuma passagem da Bíblia, o Pai ou o
Espírito Santos é descrito como assumindo a forma humana. A cristologia do livro
é confusa. "Papai" diz a Mack que, embora Jesus seja plenamente Deus, "ele
nunca usou a sua natureza como Deus para fazer qualquer coisa". Eles
apenas viveu do seu relacionamento comigo, da mesma maneira como eu desejo me
relacionar com qualquer ser humano". Quando Jesus curou o cego, "Ele fez isso
como um ser humano dependente que confiava em minha vida e poder para agir nele
e por meio dele. Jesus, como ser humano, não tinha qualquer poder em si mesmo
para curar alguém".
Embora haja muita confusão teológica a ser esclarecida no livro, basta dizer
que a igreja cristã tem lutado por séculos para chegar a um entendimento fiel da
Trindade, a fim de evitar esse tipo de confusão – reconhecendo que a fé cristã
está, ela mesma, em perigo.
Jesus diz a Mack que ele é "o melhor caminho para qualquer ser humano se
relacionar com Papai ou com Sarayu". Não é o único caminho, mas o
melhor caminho.
Em outro capítulo, "Papai" corrige a teologia de Mack afirmando: "Eu não
preciso punir as pessoas pelos seus pecados. O pecado é a sua própria punição,
que devora você a partir do interior. Não tenho o propósito de punir o pecado;
tenho alegria em curá-lo". Sem dúvida, a alegria de Deus está na expiação
realizada pelo Filho. No entanto, a Bíblia revela consistentemente que Deus é o
Juiz santo e reto, que punirá pecadores. A idéia de que o pecado é a "sua
própria punição" se encaixa no conceito do karma, e não no evangelho
cristão.
O relacionamento do Pai com o Filho, revelado em textos como João 17, é
rejeitado em favor de uma absoluta igualdade de autoridade entre as pessoas da
Trindade. "Papai" explica que "não temos qualquer conceito de autoridade final
entre nós, somente unidade". Em um dos mais bizarros parágrafos do livro, Jesus
diz a Mack: "Papai é tão submisso a mim como o sou a ele, ou Sarayu a mim, ou
Papai a ela. Submissão não diz respeito à autoridade e à obediência; é um
relacionamento de amor e respeito. De fato, somos submissos a você da mesma
maneira".
Essa hipotética submissão da Trindade a um ser humano – ou a todos os seres
humanos – é uma inovação teológica do tipo mais extremo e perigoso. A essência
da idolatria é a auto-adoração, e essa noção da Trindade submissa (em algum
sentido) à humanidade é indiscutivelmente idólatra.
O aspecto mais controverso da mensagem de A Cabana gira em torno das
questões do universalismo, da redenção universal e da reconciliação final. Jesus
diz a Mack: "Aqueles que me amam procedem de todo sistema que existe. São
budistas, mórmons, batistas, islamitas, democratas, republicanos e muitos que
não votam ou não fazem parte de qualquer igreja ou de instituições religiosas".
Jesus acrescenta: "Não tenho desejo de torná-los cristãos, mas quero unir-me a
eles em sua transformação em filhos e filhas de meu Papai, em meus irmãos e
irmãs, meus amados".
Em seguida, Mack faz a pergunta óbvia: Todos os caminhos levam a Cristo?
Jesus responde: "Muitos dos caminhos não levam a lugar algum. O que isso
significa é que eu irei a qualquer caminho para encontrar vocês".
Devido ao contexto, é impossível extrair conclusões essencialmente
universalistas ou inclusivistas quanto ao significado de Yong. "Papai" repreende
Mack dizendo que está agora reconciliado com todo o mundo. Mack replica: "Todo o
mundo? Você quer dizer aqueles que crêem em você, não é?" "Papai responde: "Todo
o mundo, Mack".
No todo, isso significa algo bem próximo da doutrina da reconciliação
proposta por Karl Barth. E, embora Wayne Jacobson, o colaborador de Young, tenha
lamentado haver pessoas que acusam o livro de ensinar a reconciliação final, ele
reconhece que as primeiras edições do manuscrito foram influenciadas
indevidamente pela "parcialidade, na época," de Young para com a reconciliação
final – a crença de que a cruz e a ressurreição de Cristo realizaram a
reconciliação unilateral de todos os pecadores (e de toda a criação) com
Deus.
James B. DeYoung, do Western Theological Seminary, um erudito em Novo
Testamento que conheceu Young por vários anos, documenta a aceitação de Young
quanto a uma forma de "universalismo cristão". A Cabana, ele conclui,
"descansa sobre o fundamento da reconciliação universal".
Apesar de que Wayne Jacobson e outros se queixam daqueles que identificam
heresia em A Cabana, o fato é que a igreja cristã tem identificado,
explicitamente, esses ensinos como heresia. A pergunta óbvia é esta: por que
tantos cristãos evangélicos parecem ser atraídos não somente à história, mas
também à teologia apresentada na narrativa – uma teologia que, em vários pontos,
está em conflito com as convicções evangélicas?
Os observadores evangélicos não estão sozinhos em fazer essa pergunta.
Escrevendo em The Chronicle of High Education (A Crônica da Educação
Superior), o professor Timothy Beal, da Case Western University, argumentou que
a popularidade de A Cabana sugere que os evangélicos devem estar
mudando a sua teologia. Ele cita os "modelos metafóricos não-bíblicos de Deus"
no livro, bem como seu modelo "não-hierárquico" da Tridade e, mais notavelmente,
"sua teologia de salvação universal".
Beal afirma que nada dessa teologia faz parte das "principais correntes
teológicas evangélicas" e explica: "De fato, essas três coisas estão arraigadas
no discurso teológico acadêmico radical e liberal dos anos 1970 e 1980 – que
influenciou profundamente os feministas contemporâneos e a teologia da
libertação, mas que, até agora, teve muito pouco impacto nas imaginações
teológicas de não-acadêmicos, especialmente dentro das principais correntes
religiosas".
Em seguida, ele pergunta: "O que essas idéias teológicas progressistas estão
fazendo no fenômeno da ficção evangélica?" Ele responde: "Desconhecidas para
muitos de nós, elas têm estado presente em muitos segmentos liberais do
pensamento evangélico durante décadas". Agora, ele diz, A Cabana
introduziu e popularizou esses conceitos liberais até entre as principais
denominações evangélicas.
Timothy Beal não pode ser rejeitado como um conservador e "caçador de
heresias". Ele está admirado com o fato de que essas "idéias teológicas
progressistas" estão "se introduzindo aos poucos na cultura popular por meio de
A Cabana".
De modo semelhante, escrevendo em Books & Culture (Livros e
Cultura), Katharine Jeffrey conclui que A Cabana "oferece uma teodicéia
pós-moderna e pós-bíblica". Embora sua principal preocupação seja o lugar do
livro "num panorama literário cristão", ela não pôde evitar o lidar com a sua
mensagem teológica.
Ao avaliar o livro, deve-se ter em mente que A Cabana é uma obra de
ficção. Contudo, é também um argumento teológico, e isso não pode ser negado.
Diversos romances notáveis e obras de literatura contêm teologia aberrante e
heresia. A pergunta crucial é se as doutrinas aberrantes são características da
história ou são a mensagem da obra. Em A Cabana, o fato inquietante é
que muitos leitores são atraídos à mensagem teológica do livro e não percebem
como ela conflita com a Bíblia em muitos assuntos cruciais.
Tudo isso revela um fracasso desastroso do discernimento evangélico.
Dificilmente não concluímos que o discernimento teológico é agora uma arte
perdida entre os evangélicos – e esse erro pode levar tão-somente à catástrofe
teológica.
A resposta não é banir A Cabana ou arrancá-lo das mãos dos leitores.
Não precisamos temer livros – temos de estar prontos para responder-lhes.
Necessitamos desesperadamente de uma redescoberta teológica que só pode vir de
praticarmos o discernimento bíblico. Isso exigirá que identifiquemos os perigos
doutrinários de A Cabana. Mas a nossa principal tarefa consiste em
familiarizar novamente os evangélicos com os ensinos da Bíblia sobre esses
assuntos e fomentar um rearmamento doutrinário de cristãos evangélicos.
A Cabana é um alerta para o cristianismo evangélico. Uma avaliação
como a que Timothy Beal ofereceu é reveladora. A popularidade desse livro entre
os evangélicos só pode ser explicada pela falta de conhecimento teológico básico
entre nós – um fracasso em entender o evangelho de Cristo. A tragédia de que os
evangélicos perderam a arte de discernimento bíblico se origina na desastrosa
perda do conhecimento da Bíblia. O discernimento não pode sobreviver sem
doutrina.
Traduzido por: Wellington Ferreira
Copyright:
© R. Albert Mohler Jr.
Traduzido do original em inglês: The Shack — The Missing Art of Evangelical Discernment.
www.albertmohler.com
Albert Mohler Jr. |
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM: http://www.editorafiel.com.br/artigos_detalhes.php?id=315
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